segunda-feira, 30 de junho de 2008

Mais uma batalha, esta ao som d' "O Senhor Calvino"

Mais uma 6ª feira chegou e com o raiar do dia a perspectiva de mais uma batalha. Desta vez o nível de plaquetas estava nos conformes, ao contrário da última 6º em que os valores rondavam os 85 000, quando o normal toca os 150 000. Após as provas de agregação, as viagens, a excitação de rever os amigos e a minha querida amada ... tudo isto foi demais para as minhas plaquetas e claro que a dose anterior de guerra química teve o seu papel principal nesta história. Na 4ª feira anterior as análises indicavam o valor de 180 000, já acima dos valores mínimos normais e estava confiante de que estava preparado para mais uma batalha. E assim foi! Após a conversa habitual de despitagem de problemas na semana anterior, sentei-me no sofá e foquei-me no direccionamento de cada gota daquele líquido transparente mas potente para queimar os caranguejos que me assolam.
Em cada sessão levo qualquer coisa para ler, para ajudar a passar o tempo, e desta vez aproveitei uma generosa oferta do Gonçalo Tavares e desfolhei “O Senhor Calvino”. Foi uma agradável surpresa. A cada página, a cada nova pequena história soava uma gargalhada o que surpreendia os meus companheiros de quarto. Como é possível estar a levar em cima com cargas químicas e ainda por cima rir-se desalmadamente! Pena foi que o livro acabou num abrir e fechar de olhos, mas sendo assim aproveitei para o ler duas vezes e mesmo à segunda foram rasgados de novo inevitáveis sorrisos.
Quando a leitura acabou fixei-me no que me rodeava e observei um dos meus companheiros a realizar um Electrocardiograma. À primeira olhada para o seu peito previ logo problemas. Pelos, pelos e mais pelos. Se mais não fosse pelo menos o retirar dos eléctrodos seria certamente doloroso! Após a primeira tentativa, alguma coisa estava errada. Os resultados da derivação V2 estavam cheios de ruído. A enfermeira estagiária fica preocupada, mas a primeira hipótese que formula tem a ver com os pelos e faz pressão nos eléctrodos. Tentativa e mais tentativa e chega o enfermeiro chefe que tenta a mesma abordagem mas sem grandes resultados. O companheiro começa a ficar preocupado e pergunta: Há alguma coisa de errado com o meu coração? No entanto os enfermeiros estão demasiado preocupados com o material e não o ouvem. Continuam formulando teorias sobre o que estava a passar: Há aqui parasitas no V2. Nova pergunta sobre o coração que não obtem resposta e o homem muda da cor rosada para algo mais esbranquiçado sem que os enfermeiros se apercebam. Foi nessa altura que intervi. – Não! Não se passa nada de errado com o seu coração! O problema tem a ver com os pelos, mas vai certamente agravar-se quando acabar o exame, quando tiver que tirar os eléctrodos. Ele descontrai-se, enquanto os enfermeiros continuam a falar de ruídos parasitas. Aí não resisti e tive que lhe dizer que afinal o problema era de parasitas nos pelos o que o fez dar uma gargalhada. Foi nessa altura que os enfermeiros acordaram e lá tranquilizaram o paciente que o problema era de contacto e que se calhar tinham que cortar os pelos para fazer o contacto adequado. Finalmente conseguem, pressionando um pouco mais, mas o pior estava para vir! O pior claro está para o meu companheiro que confessou nunca, até aquela altura,tinha feito depilação dos pelos do peito!

terça-feira, 24 de junho de 2008

Completamente agregado

© Cláudia Godinho


Foi uma experiência fantástica!
Voltar a sentir o toque gentil da minha Cláudia, sentir a vibração da sua voz no meu ouvido, sentir os aromas da sua passagem bem perto de mim ... que bom que foi!
Mais que o calor do sol, foi o calor humano o que mais que aqueceu o coração. Tudo começou no aeroporto, acabado de chegar tive a a feliz surpresa da Sofia e depois do Luís, que se cruzaram comigo a caminho do States. Depois foi um desfilar de gente simpática e amiga, que não quiseram deixar de mostrar a sua força solidária, nesta luta contra os caranguejos.
O tempo foi muito curto, muito mais curto que a pura contabilização cronológica. O tempo passou a voar. De repente e já estava no avião de regresso a Paris.
As provas de agregação correram melhor do que estava à espera. Consegui descontroir passados alguns minutos de começar, e acho que consegui disfarçar o cansaço a maior parte do tempo. Foi bom ver gente de todos os quadrantes na assistência, pena só não ter tido tempo para falar com todos eles. Foi bom voltar ao Salão Nobre, onde dei a minha primeira aula teórica, ainda de fraldas, e agora com fraldas um pouco mais compridas a que chamam de toga.
A minha disposição geral alterou-se, o apetite voltou após a colocação com êxito da prótese das vias biliares. A ida ao castelo foi coroada de sucesso e voltei mesmo um dia mais cedo do que estava previsto. Em vez de uma anilha tenho agora um tubo metálico desde a vesícula até ao duodeno e a mensagem que estava inscrita - “Sai bílis, sai” - não podia ser mais apropriada, porque logo que colocada foi “um ver se te avias”!
A cor amarelada perdurou por mais uns tempos, mas agora já praticamente desapareceu e o funcionamento do intestino melhorou substancialmente.
Mas o que mais me animou nos últimos tempos foi a constatação de que o caranguejo que se alojou no meu pâncreas está a sentir os efeitos da guerra química e reduziu de 50 para 39 mm. A ecografia que confirmou o estreitamento das vias biliares permitiu observar este efeito após apenas 3 batalhas da guerra química em que estamos envolvidos.
Sinto-me completamente agregado! Não tanto pelo título mas principalmente agregado de amizade dos amigos e pelos amigos, agregado de solidariedade nesta luta sem quartel contra os caranguejos, agregado de amor e carinho. Sem dúvida que esta confluência de agregações que me dá o alento para as novas lutas que se avizinham para destroçar este bicho infame. Se não fosse por mim, teria a obrigação de lutar por aqueles que sem interesse particular, apenas por amizade e amor, se mobilizaram das mais variadas formas nesta luta contra os caranguejos.

terça-feira, 10 de junho de 2008

A vingança dos patos


Tenho que confessar! Num destes fins de semana passados enquanto deambulávamos por terras de Champagne demos com um restaurante, perfeitamente ao acaso, completamente dissimulado entre as videiras, uma quinta totalmente dedicada à degustação de tudo e qualquer coisa à base de pato. Éramos 4 e havia 4 pratos diferentes numa das ofertas gastronómicas disponíveis. Escolhemos cada um a sua e, além de petiscar cada um dos pratos alheios, a mim calhou-me especialmente um delicioso fígado de pato envolto em aromas campestres, de que não conheço as denominações. Uma carne amarelada, que se desfazia a cada dentada, exalando os subtis sabores do campo. E surpresa das surpresas, em tempos de pouco apetite, o fígado foi todo, assim como todos os acompanhamentos. Para falar verdade a minha escolha recaiu sobre o único prato que não era regado com bebidas alcoólicas, com primazia natural para o champagne. Não é minha intenção deixar-vos as águas na boca, mas os relatos dos meus companheiros de viagem (a Carolina, o Sérgio e a Tia Ana ) foram de prazeria.
Penso agora se não teria sido por isso que o meu próprio fígado se tornou amarelado, como uma vingança à distância dos patos então saboreados. Espero que não ... que não conheço nos patos espírito vingativo ... mas enfim nunca se sabe.

Para atacar os maus fígados há que voltar ao castelo. Amanhã lá estarei de malas e bagagens para mais uns diazitos.
Os senhores do castelo souberam das minhas provas de agregação e da minha viagem a terras lusas para a defesa correspondente e assim apressaram tudo, de forma a que estivesse em forma, daqui a exactamente uma semana! Espantoso, não é?! Quais filas de espera, quais empurrões para os castelinhos privados ... não! Vamos adiantar uma semana, que é para ele poder fazer as provas mais descansado! É fabuloso!

Já que estamos em maré de aves vem-me à lembrança os métodos antigos de comunicação com pombos que transportavam anilhas. É o que vai acontecer comigo!
Mas claro que sabem que os métodos de guerra evoluíram desde a primeira guerra mundial. Agora as anilhas não são postas nas patas. São colocadas cá dentro do corpo de forma a ficarem bem dissimuladas, mais exactamente nos canais biliares (o que os serviços secretos inventam, não é?!) Sem dúvida que vai ficar bem escondido. Quem é que se lembraria de procurar, logo ali, nos canais biliares?
A mensagem que lhe está apensa diz com todas as letras: Sai bílis, sai! Se não perceberem, não faz mal! Isto está escrito em código.

Sempre tive um tom amarelado o que, associado aos meus olhos achinesados, fez com que frequentemente me perguntassem se não tinha origem oriental. A todos sempre respondia que sim, que era descendente de um bispo chinês. A maior parte das vezes ficavam na dúvida! Agora com a acentuação desta coloração talvez já acreditem. Mas espero que seja por pouco tempo. Os senhores do castelo estão a tratar disso e com o contributo das anilhas, espero chegar a Portugal tão rosado quanto cheio de energia para combater os caranguejos e qualquer outra luta que se avizinhe.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Hoje estou melhor que ontem! Amanhã vou estar melhor que hoje!

Esta foi a frase que escolhi para me fazer companhia nos últimos tempos. Ela não foi construída ao acaso. Escolhi algo que não fosse dito automaticamente mas que me obrigasse a pensar a cada frase evocada, pensada ou dita expressamente. Ela é o símbolo da minha atitude perante a doença.
Sei que não estou a lidar com caranguejos coxos, cegos de um olho ou distraídos e que é preciso um grande empenho para lutar contra eles. Mas como em qualquer luta de vida ou de morte, há que encontrar todas as armas possíveis e imaginárias para derrotar os inimigos.
Ao longo de toda a minha vida profissional lembro-me de ter apenas por uma vez faltado às aulas por doença. Dessa vez estava numa situação inversa à que me encontro agora: o meu intestino teimava em trabalhar a cada 15 minutos. De todas as outras vezes em que adoecia teimava em ir trabalhar. Nunca encarei a doença como um argumento para não realizar as tarefas a que me comprometi, ou que me dão prazer. Talvez por isso não era fácil aceitar a doença como algo incapacitante, o que me alterava sem dúvida o humor. Agora nesta luta, contra os nossos inimigos patudos e peludos, tento fazer exactamente o mesmo. Sei que o meu empenho e a minha capacidade de trabalho está diminuída, mas mesmo assim forço-me a não abandonar as tarefas principais em que estava envolvido antes da declaração oficial de guerra.
Em situações extremas, quer elas tenham a ver com estas guerras ou em competições desportivas, os processos de auto convencimento são determinantes do sucesso. Um dos trabalhos que frequentemente cito em cursos de graduação ou pós-graduação, refere a maior concretização no putt do golfe quando o atleta está convencido que vai concretizar. Vários estudos indicam coisas semelhantes em actividades desportivas muito diferentes.
No decorrer das minhas actividades de treinador de corfebol em que estive envolvido nas duas épocas anteriores a esta, uma das minhas preocupações fundamentais prendeu-se com a mobilização dos recursos psicológicos com vista ao sucesso. Solicitei aos atletas que encontrassem as frases chave capazes de mobilizar as suas energias com vista ao sucesso: “Vai correr bem”, “Vamos ganhar”, “Vamos dar a volta ao resultado” ou qualquer outra que se ajustasse à situação e ao atleta. Esta estratégia tem demonstrado resultados em várias situações de alta competição. Em qualquer situação há sempre possibilidade de encontrarmos aspectos positivos. Lembro-me de termos perdido 3 jogos seguidos nos Play-offs e eu ter começado a conversa com os jogadores com o que tínhamos ganho com estas derrotas e o que poderíamos ganhar a seguir. Lembro-me também de alguns comentários: “Só tu para encontrares coisas positivas após termos perdido 3 jogos determinantes!”




As nossas capacidades são maiores do que o que conhecemos delas, e a mobilização das nossas energias positivas internas tem-se demonstrado útil para ultrapassar situações limite como é o caso da alta competição.
Estou imerso numa alta competição contra os caranguejos e, além da química (que amanhã tem mais um episódio), uso todos os recursos do meu corpo e da minha mente para os derrotar.
Hoje estou melhor que ontem! Amanhã vou estar melhor que hoje!